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A MORADIA E O SANEAMENTO COMO PEÇAS FUNDAMENTAIS PARA A SOBREVIVÊNCIA FRENTE AO COVID-19.

Até a data de hoje, 30 de março de 2020, o Covid-19 tem infectado a mais de 634 835 pessoas em 191 países do mundo segundo o Observatório Global da Organização Mundial da Saúde. A tendência aponta que nos próximos dias estas cifras vão crescer vertiginosamente. Países europeus com economias consolidadas como à Itália alcança já 10.779 mortes (CSSE, 2020). Na Espanha, os dados apontam mais de 7.340 mortes segundo o Ministério de Saúde da Espanha. Seguem nesse caminho os Estados Unidos com 143.055 infectados (CSSE, 2020). Estamos falando então, de um tipo de disseminação global nunca vista de um vírus altamente contagioso que atinge com rapidez, e num fluxo contínuo, a nós os humanos, que somos a unidade mais importante do sistema econômico.


Nesse mundo totalmente globalizado, predominantemente urbano e interconectado pelas redes de transporte e comunicações, tudo se encontra unido por vínculos intrínsecos, físicos e virtuais, que atravessam as diversas escalas territoriais com muita rapidez. Esses vínculos embora pareçam inexistentes, formam parte de nossas vidas e de nosso dia a dia.


A circulação das pessoas, seja por trabalho ou lazer foi um fator altamente incentivado pelos governos com economias crescentes e foi primordial para o desenvolvimento de economias consolidadas. Hoje pelo contrário, frear os fluxos de pessoas entre os territórios nas diferentes escalas geográficas e bloquear as relações físicas dos indivíduos, em outras palavras ¨ficar em casa¨ é altamente essencial para frear a disseminação do vírus.


Então verificamos que a moradia é a peça fundamental para conter a crise sanitária, bem como as boas condições da mesma. Que todas as famílias tenham uma moradia bem servida pela rede sanitária é de vital importância hoje mais do que nunca.


No passado, os diferentes governos implementaram estratégias políticas de acesso a habitação, ao saneamento, a saúde, a educação etc. com o proposito de melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Nos países subdesenvolvidos como o Brasil, a preocupação por otimizar as relações económicas e políticas de grupos hegemônicos tem deixado mal atendida a população carente de moradia e tem levado ao colapso os serviços de consumo coletivo. Existe um “empresariamento da política urbana” (LENCIONI, 2017), e não, uma política urbana que conta com a participação empresarial. Esses modos são impulsionados pelas forças neoliberais que reforçam o caráter capitalista da lógica econômica de mercado, no qual a moradia é comercializada como um produto e não como um direito básico do homem.


Com os acontecimentos decorridos nesses últimos anos no Brasil, como o Golpe de Estado de maio de 2016, onde se destituiu do cargo à ex-presidente Dilma Rousseff, se restringiram programas sociais fundamentais, como o Bolsa Família e o programa de habitação de interesse social Minha Casa Minha Vida que, até agosto de 2016, entregou 2.986.389 unidades habitacionais para famílias carentes de moradia (HILDEBRANDT, 2018). Fica, portanto, ainda mais evidente o crescimento do número de pessoas em situação de pobreza no Brasil. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), as pessoas em situação de pobreza extrema no ano 2019 alcançaram os 13,5 milhões, cifra nunca antes vista no país.


Nas periferias das cidades brasileiras e nas favelas, as pessoas convivem em situações sub-humanas, em moradias sem água nem esgoto, em comunidades sem coleta de lixo ou sem sistema de coleta de água da chuva. Por outro lado, a alta densidade de seres humanos por metro quadrado, associada a um saneamento básico precário, potencializa a dispersão de doenças infecciosas, como diarreia, pneumonia e a tuberculose, quadros muitas vezes atrelados ao ataque de vírus, bactérias e fungos. Então, podemos imaginar que a consequência da chegada do Covid-19 para essas pessoas será, em muitos casos, fatal, pois elas estão submersas numa crise sanitária crônica.


Favela da Linha, localizada entre dois empreendimentos imobiliários no Oeste de São Paulo.

Fotografia: Lalo de Almeida para a Folha de São Paulo. 19 de agosto de 2019.

As condições e as circunstâncias das nossas moradias são uma questão importante para frear a corrente de infecções pelo Covid-19. O confinamento social numa casa ou apartamento abastecido com os serviços básicos faz toda a diferença. Possibilita os bons hábitos de higiene, propicia o confinamento de um possível infectado o controle e a higienização das pessoas e coisas que ingressam nela. É, por isso, que os governos Europeus confiam que os contágios pelo Covid-19 serão freados em 30 dias de estritos confinamentos, pois a maior parte da sua população conta com as condições sanitárias na sua moradia, mesmo as áreas de pobreza estão abastecidas de redes de água e desague.


Sendo assim, não se pode replicar o mesmo sistema de confinamento usado na Ásia ou na Europa para as cidades brasileiras com grandes áreas de pobreza, pois as camadas de população pobre não contam com as condições de salubridade nas suas moradias, nem nas suas comunidades. Embora o confinamento possa ser exitoso em áreas de média ou alta renda, nas áreas de pobreza deve-se trabalhar de forma focalizada, confinando as famílias ou os grupos mais vulneráveis fora das zonas degradadas e carentes de água, tomando em consideração uma eventual realocação da população em espaços salubres e controlados pelo sistema de saúde. Contrario a isso, veremos como as transmissões se multiplicarão de forma avassaladora, prejudicando todos que formam parte da cidade, ameaçando mais do que nunca nossa participação no sistema global da economia. A ação do Estado é decisiva.

Podemos corroborar nestes dias que as nações com menores áreas de pobreza e eficientes sistemas sanitários e de saúde, são também as nações com maiores possibilidades de reagir frente a presente crise sanitária, pois as condições da moradia e das cidades como um todo são fatores relevantes para frear as infecções pelo Covid-19. Mais do que nunca, verificamos que a moradia e o saneamento são questões básicas de sobrevivência dos indivíduos e das economias mundiais.


Ninguém achava isto possível, mas agora é real, estamos todos nós submersos numa névoa de incertezas e dúvidas sobre o futuro. O que aconteça nos próximos dias marcará um ponto de início, uma retomada para nossas vidas, e para as economias de todos os países.


Margaux Hildebrandt Vera,

Arquiteta Urbanista, Doutora em Geografia, Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).


Referencias:

HILDEBRANDT, Margaux. As dinâmicas de metropolização e a atuação dos agentes produtores do espaço urbano na área conurbada de Florianópolis. Tese de doutorado do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2018.

LENCIONI, Sandra. Metrópole, metropolização e regionalização. Consequência Editora. Rio de Janeiro 2017.

Coronavirus COVID-19 Global Cases by the Center for Systems Science and Engineering (CSSE) https://www.arcgis.com/apps/opsdashboard/index.html#/bda7594740fd40299423467b48e9ecf6

World Health Organization. Situation Report 69. March, 2020.

https://www.who.int/publications-detail/infection-prevention-and-control-during-health-care-when-novel-coronavirus-(ncov)- infection-is-suspected-20200125

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